Surpresas e conquistas com um clã alérgico

A família de Flávia: “Quando a gente é diferente da maioria enxerga tanta coisa que não enxergaria se estivesse na considerada média da normalidade!”

Flávia Ribeiro Nunes Pizelli
@flavia_ribeironpizelli

A nossa história começou em 2005, quando eu e Tiel resolvemos namorar e um ano depois nos casamos. Nos conhecemos desde 1990, mas a história que motiva este texto nasceu com os nossos filhos. Eles não vieram prontos para simplesmente comer o que desse na telha! Apresentaram alergia alimentar múltipla e severa desde os primeiros dias de vida. Nós não sabíamos o que era isso e demoramos muito a entender. Eu demorei mais que ele, que suspeitou. Lembro de um dia a gente ganhar um pote de nata de leite de vaca e dar a Pedro, então com 1 aninho, numa tapioca. Estávamos tomando café e ele disse: acho que essa nata pode estar fazendo mal a Pedro. Eu disse que não. Afinal, na minha cabeça ignorante, eram vacas bem cuidadas e o leite que era um alimento natural. Até hoje me cobro por loucuras como esta.

Pedro foi a principal vítima do nosso desconhecimento. O segundo teve mais sorte e a terceira nasceu cercada de cuidados. Ela nem lembra de nenhum aperto maior, embora siga alérgica às vésperas dos 6 anos.

Já vivemos muita coisa desde 2007, quando fomos pais: bullying, exclusão, discriminação, dietas de exclusão, isolamento social mesmo sem pandemia e por aí foi… Mas também recebemos acolhimento e olhares de inclusão. Aprendemos tanta coisa.

Mas agora estamos adaptados! Quando a gente é diferente da maioria enxerga tanta coisa que não enxergaria se estivesse na considerada média da normalidade! Tanto sistema de massificação! E eles sempre são cruéis com as minorias. Mas a gente cresce! Faz terapia, faz campanha de conscientização sobre alergia alimentar, faz caminhada de conscientização, piquenique com outros alérgicos, propõe e consegue aprovação de lei municipal… tanta coisa!

Há 12 anos, que foi quando descobrimos o primeiro filho alérgico e eu estava grávida do segundo, um espaço como o Conexão Alimentar não existia. Não existia muita coisa que hoje as famílias alérgicas podem contar. Mas existiam outras famílias alérgicas como nós, outras mães, que estavam na mesma situação que eu, me acolheram em um grupo que concentrava mulheres de todo o país, de Norte a Sul. Nós trocávamos angústias, experiências e receitas. Isso foi me fortalecendo e me fazendo entender que ter companhia é sempre melhor. Além do grupo, que era um grupo de e-mail e depois se transformou num grupo de mensagens, eu tive ajuda de outras mães que conheci nas redes sociais. Mães que criaram leis, que mudaram rótulos, que defenderam teses de mestrado e doutorado sobre alergia alimentar, mães que deram entrevistas de protesto e superação, que revelaram discriminação. Mulheres, quase sempre elas, que estavam dispostas a se conectarem umas com as outras!

Aqui eu não quero valorizar a nossa trajetória de 13 anos, três filhos alérgicos alimentares múltiplos (mas isso é só um detalhe), nem a nossa determinação em fazer deles pessoas plenas, saudáveis e como a vida foi acontecendo. Eu quero falar sobre tentar preparar pessoas para vencerem desafios, falar sobre buscar ajuda, sobre acreditar que Deus inspira os profissionais a nos instruírem direito e sobre sermos solidários uns com os outros. Sobre estarmos dispostos a lutar por espaço. Eu já tive conversas muito duras com alguns professores, já troquei as crianças de escola quando vi que meus esforços não surtiriam efeito. Já tive que brigar pra que minhas orientações e do meu marido fossem seguidas à risca até na família. Já tive que dizer a muita gente que ALERGIA MATA. Às vezes é preciso ser duro para as pessoas entenderem.

Mas depois de mais de uma década manejando as dietas e co-criando crianças, e agora um recém chegado a adolescência, que vivem com a alergia alimentar, eu prefiro acreditar que o sorriso abre muitas portas e que a empatia existe. Há quase dois anos os meninos resolveram transformar seu canalzinho de Youtube em um canal de receitas inclusivas.

O Pedroaco Diversões se transformou com um bolo fofo que conseguimos desenvolver depois de várias tentativas e bolos duros ou solados. Mas a gente comia assim mesmo! E ficava feliz! Maria se integrou aos irmãos na aventura virtual. Eu deixo que se organizem e decidam o que querem mostrar ao mundo. Eles gravam e editam o que produzem, mas eu reviso. Me surpreendo quando perguntam a eles o que significa o espaço. Algumas respostas me fazem olhar através dos olhos deles. E me fazem acreditar que a alegria, a estima e a animação deles vai inspirar outras crianças para que lutem por conquistar comidas gostosas e espaço de respeito onde quer que estejam, tenham a idade que tiverem. Porque a alergia pode não passar, mas o furacão que é descobrir um filho alérgico alimentar, dois ou até três, passa. Porque nenhum desafio ou condição de vida pode ser um fator limitante pra ninguém. Então eu diria a quem está no olho do furacão que busque aprender, se conectar com outros semelhantes e esperar, porque a paz e a alegria voltam.

Flávia Ribeiro Nunes Pizelli – mãe há 13 anos de Pedro, de Joaquim há 11 e de Maria há quase seis. Jornalista há 22 anos.

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