Por Maria Gabriela Tolentino Mattos de Paiva
@alergia.comalegria
Tudo começou com um arroz, minha pequena Maria tinha 1 ano e 3 meses e ela comeu o arroz do meu prato. O arroz estava ao lado do strogonoff, e por esse simples fato, ela teve uma reação que me chamou atenção, ela ficou toda coçando. Dias depois ela comeu um macarrão com creme de leite e ficou coçando da cabeça ao dedão do pé. Foi aí que percebi que tinha algo errado e relacionado ao leite, ingrediente comum aos dois pratos.
Fomos ao pediatra, que nos indicou um gastro-pediatra, lá tivemos o diagnóstico que ela tinha alergia a leite e que era grave, poderia causar anafilaxia. Sabe aquele momento que seu mundo cai e você pensa, o que ela vai comer? Como vou fazer comida para ela? Vai passar vontades? Deu aquele desespero, um aperto no coração e um susto que incomodou bastante. Já sabia que existia alergia mas não conhecia ninguém tão próximo com restrição alimentar e, muito menos, sabia como faria para lidar com toda a situação.
Logo após o susto do diagnóstico percebi que da alimentação básica saudável (frutas, verduras e legumes) ela poderia TUDO menos se preparados com leite. Isso deu um certo alívio e determinou começo da jornada que vivemos até hoje, o que inclui eu participar da dieta dela e eliminar todos os alimentos que possuem leite de dentro de casa. Essa foi a primeira atitude que tive para garantir a segurança e não ter contaminação cruzada.
Hoje tenho consciência de que apesar do diagnóstico ter sido realizado com pouco mais de 1 ano de vida, Maria sofreu com a alergia desde os poucos meses. Eu a amamentei até os 2 anos, logo no início, dos 3 até uns 10 meses, ela chorava muito, muito mesmo e foi diagnosticada com refluxo. Foi medicada e aliviou, mas hoje, devido às informações que temos acesso, descobri que já eram sintomas da alergia e que infelizmente não foi correta e previamente diagnosticada.
O coração de mãe sente muito pelo diagnóstico tardio.. como minha bebê sofreu. Ela passava várias horas do dia chorando muito. Eu não achava aquilo normal, mas também não conseguia descobrir o real motivo do choro. Foi uma fase bem difícil. Hoje, quando uma mãe fala que o bebê está chorando muito, já vou falando para ela olhar a alimentação que pode ser alergia, algo que poucos pediatras observam.
Quando começaram as interações sociais tive dificuldades uma vez que não tenho muitas habilidades na cozinha (rs) e poucas lojas e pessoas tinham produtos que a Maria podia. Vez que, além do leite, ela também é alérgica a castanha de caju e castanha do pará, ou seja, nem os alimentos veganos encaixam perfeitamente na necessidade dela.
O tempo foi passando, o acesso e a visibilidade da alergia alimentar foi ganhando espaço, tanto no meio médico quanto no social. O que nos ajuda muito, pois facilita a obtenção de alimentos e produtos sem leite e castanhas. Devido à quantidade de pessoas que possuem alergia alimentar nós nos tornamos um excelente nicho de mercado, que cresce diariamente, para a nossa alegria e felicidade!!
Maria sempre foi uma criança muito comunicativa e alegre. Ela falou o primeiro mamãe com 9 meses e, então, não parou mais de falar rs. Desde muito cedo fui conversando e dando a ela consciência sobre a alergia, que ela não poderia aceitar um biscoito ou bala antes de ler o rótulo, que não poderia comer o lanche do colega, etc. E aí, quando alguém oferecia algo ela já respondia: – não posso, tenho “argelia” (risos).
Em nenhum momento ela perdeu a alegria de viver devido às restrições. É claro que passou vontades, chorou e quis poder comer o que estava disponível. Mas também com a maturidade do “vamos fazer um igual a esse em casa, mamãe?” e a de que um dia seremos agraciadas com a cura!
Um certo dia, ela, com toda desenvoltura e positividade que lhe é peculiar, me pediu para fazer um canal no youtube e assim o fiz. O primeiro vídeo, que está lá, foi fazendo um belo mexidão, uma das minhas poucas especialidades rs.
Maria é uma criança muito alegre e resignada mas como toda criança quer se sentir parte do grupo e com o canal, e nossas redes sociais, ela faz parte de todo um mundo de alérgicos. A internet nos proporcionou conhecer muitas mamães e crianças na mesma situação e ela se sente bem à vontade para conversar e trocar experiências com todos eles.
Por meio do perfil do Instagram Alergia com Alegria, mostramos que a alergia pode, e deve, ser vivida com muita alegria comendo comidas gostosas e ao alcance de todos! Buscamos sempre receitas fáceis de fazer (pois ela mesma que faz a maior parte) com o intuito de ajudar a vida das mamães que possuem a mesma dificuldade que eu tive, tanto no manejo da cozinha quanto ao acesso a receitas gostosas e seguras. E minha performance na cozinha melhorou bastante também, rs, a vontade e o esforço de dar o melhor para os nossos pequenos move montanhas né?
E, além de tudo, o sonho dela é ser famosa e as pessoas pararem na rua pra falar, “você que é a Maria, do canal Alergia com Alegria?’ Rsrsrs um belo sonho que estou apoiando para ela realizar, pois o que não faltam são os desejos de realizar várias profissões. Ela quer ser médica, dentista, astronauta, atriz, veterinária, cientista, cantora… Pelo menos a de youtuber e famosa já está sendo dado um “check” rs.
A restrição alimentar realmente causa transtornos e desconfortos, tais como, receber aqueles olhares de discriminação por abrir a marmitinha, dificuldade das pessoas entenderem a gravidade das reações, ter que se organizar com antecedência para ir aos locais de confraternização, ter que explicar na cozinha de um restaurante como o alimento deve ser preparado, conscientizar os amiguinhos que eles tem que lavar a mão depois de comer para poderem brincar juntos. São muitas os cuidados necessários para acompanhar um alérgico, mas em hipótese alguma isso deve ser uma restrição ou empecilho à diversão e alegria.
Acho que tudo na vida tem o peso que a gente dá. Procurar receitas e gravar vídeos para divulgar a alegria mesmo com alergia é o nossa meta. Fazer a restrição se tornar algo fácil de conviver e inclusivo!! A única necessidade real que o alérgico possui é a inclusão pelos amigos e familiares. O amor, a empatia e o apoio dos que nos são próximos ameniza a nossa jornada e torna tudo ainda mais leve para seguir.
Que o mundo se sensibilize e tenha empatia pelos nossos alergiquinhos!! Com certeza ele ficará ainda melhor para se viver!!
Maria Gabriela Tolentino Mattos de Paiva, Gabi, mãe da Maria Clara de 7 anos, alérgica à proteína do Leite de vaca e à castanha de caju e do pará. Nova Lima, Minas Gerais.