O dia em que a zona de conforto da alergia alimentar nos ameaçou

Por Mateus Almeida

Um domingo. Um domingo feliz. Um domingo família, como vários outros. Começou com um treino cedinho para chegar em casa a tempo de fazer o café da manhã para os guris. Domingo é dia de pancakes. Curtindo música e preparando tudo.  Todos à mesa. Lucas falante como sempre. Felipe apreciando suas pancakes com Nutella. Bianca e eu nos deliciamos com um café da manhã em família.

Um domingo feliz.

Um resto de manhã tranquilo. Meninos brincando, ora com eletrônicos, ora entre si. A Bianca focada nos seus afazeres. Eu, aproveitando o sofá. Sim, o sofá, assistindo tv e lendo. Sem hora, sem reuniões, simplesmente desligando a mente. Todos aproveitando o domingo.

Hora do almoço. O domingo em família estava engrenado. Para continuarmos este domingo preguiçoso, sugeri pedirmos comida do restaurante que temos frequentado nos últimos dois anos. Nosso lugar seguro. O lugar que tem servido de refúgio dos perigos das alergias alimentares. O lugar onde nos sentimos confortáveis.

Fiz o pedido da comida direto pelo app do restaurante como em outras vezes.  Lucas queria comer quesadillas com carne. Como sempre faço, escrevi no pedido em letras maiúsculas todas as alergias do Lucas.

Pedido feito e a Bianca se ofereceu para buscar a comida junto com o Lucas. Passeio mãe e filho. Domingo feliz.

Em casa, mesa arrumada, família reunida para o almoço de domingo. Todos saboreando o almoço e aproveitando o bate papo.

Zona de conforto

Lucas diz: “Nossa, como estão boas as quesadillas hoje”.

Nós olhamos as quesadillas, mais brancas que as de farinha de milho que normalmente preparam no restaurante, mas seguimos nosso almoço feliz pois estávamos na nossa zona de conforto, dentro de casa e com a comida do nosso restaurante seguro.

Lucas fala “Minha boca está coçando” e a nossa ficha começa a cair. Será que é uma reação que está por vir? Liguei para o restaurante que prontamente concluiu: o pedido do Lucas foi feito com a massinha errada. A massinha tinha trigo. Nossa ficha e todo o peso do mundo caiu sobre os nossos ombros.

Hora de iniciar o plano de emergência. Sim, aquele que a gente treina e nunca quer usar. Sim, aquele que salva vidas.  Caneta de adrenalina. Depois de tantos anos, treinamentos e várias reações, ainda nos perguntamos se precisaríamos usar a caneta naquele momento.

O Lucas foi grande. O Lucas foi decisivo. O Lucas disse: sim, preciso usar agora.

Esta clareza de pensamento em um momento de alto estresse foi fundamental para salvar a vida dele. Sim, a caneta de adrenalina salva vidas.  Todos a caminho do hospital. Não de ambulância como deveríamos ter feito (mais um aprendizado), mas de carro.

Lucas lúcido e mantendo-se bem, sob o efeito da adrenalina injetada, chegamos ao hospital.  Poucos minutos no hospital, começa o “rebote”, uma reação alérgica muito forte.

Vejo meu filho sofrendo, mãos ao peito, ficando sem ar e só me resta gritar, clamar por ajuda dos(as) médicos(as) e enfermeiros(as).  Sim, gritei, sem saber mais o que fazer.

Médicos(as) e enfermeiros(as) vieram prontamente e levaram o Lucas para uma sala separada.  Enquanto a Bianca estava ao lado do Lucas (somente um dos pais podia ficar ao seu lado), eu estava de mãos dadas com o Felipe. 

Eu rezei!

Eu pensava: eu daria tudo para estar no lugar do meu filho, de sofrer no lugar dele.

Gigantes

Longos minutos depois, o médico veio e disse que o Lucas já estava estabilizado e que iria ficar bem. Ainda de mãos dadas com o Felipe, um grande alívio para todos. Felipe foi muito grande também. No auge dos seus oito anos de idade, colaborou como pôde, sentiu a importância do momento e se comportou muito bem.

Lucas estava se recuperando bem e, já no quarto do hospital, ouviu que passaria a noite em observação, mas que, no dia seguinte, poderia ir para casa.  O domingo, então, finalmente ficando feliz novamente. Não da maneira como imaginávamos, mas com o Lucas seguro e bem e com a nossa família ainda mais unida.

Sempre olhando o copo meio cheio, este domingo trouxe diversas reflexões e aprendizados.  Começando pela gratidão pela dádiva da vida, da vida dos nossos filhos e amores,  Lucas e Felipe.  Relaxamos na zona de conforto. Não podemos. Mesmo que por dois anos tenhamos confiado no restaurante, este também é suscetível a erros.

A importância de ter um plano de emergência definido, saber o que fazer quando a razão é tomada pelas emoções do momento crítico da reação alérgica.

A caneta de adrenalina salva!

Como pai, de novo, eu daria tudo para estar no lugar do Lucas (ou Felipe) neste momento de sofrimento.  Como não tenho estes super poderes, o aprendizado que fica é que estamos no caminho certo.  Estamos ainda mais comprometidos com a causa das alergias alimentares através do trabalho liderado pela Bianca no www.conexaoalimentar.com.br (@ConexaoAlimentarOficial).

Enfim, o domingo de fato terminou feliz! Com o Lucas e todos nós bem!

 

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