Por Suzana Cardozo
Eu conheci a Bianca em 2005 e desde então compartilhamos mudanças, celebrações, nevascas, aniversários, viagens, depressões, nascimentos. Porém, eu nunca tinha vivenciado com ninguém o descobrimento de uma alergia alimentar. Para ser sincera, lembro da pediatra dos meus dois filhos incentivando a introdução dos alimentos, um de cada vez, para “observar a reação do organismo” mas isso não fazia muito sentido para mim.
Quando a Bianca me contou sobre a primeira reação do Lucas quando ele tinha 10 meses, eu tomei um susto. Quando ela enfrentou as idas e vindas aos médicos em Londres procurando por respostas, eu fiquei angustiada como ela. Quando ela recebeu o diagnóstico, encontrou uma rede de apoio e começou a aprender sobre o tema, as coisas começaram a ficar mais claras.
Devagar a minha família foi se inserindo nesse mundo das alergias alimentares e se adaptando para abraçar a diversidade. Cada vez que recebíamos o Lucas em casa, a manteiga era nova, o pão ficava fechado no armário e o cardápio era pensado com carinho. Se o plano era fazer uma viagem junto, pesquisávamos hotéis, líamos milhares de avaliações de antigos hóspedes e escrevíamos para a equipe operacional antes da chegada para alertar sobre a alergia e pensar em um plano de ação.
Compartilhar conhecimento
A preparação antes de passeios e viagens é um momento muito importante e fomos nos acostumando com ela. Nada mais gratificante do que ligar para um restaurante e ouvir frases como “temos uma cozinha inclusiva”, “pode ficar tranquila que não tem contaminação cruzada” ou “só utilizamos óleo limpo para fritar as batatas!”.
Por outro lado, uma vez, em um hotel de praia, fiquei indignada com os monitores do espaço kids que deixaram as crianças usarem massinha de modelar e depois não limparam as mesas e cadeiras onde as mesmas crianças iriam comer depois. Os alergênicos não são encontrados somente nos alimentos. Eles podem estar na massinha de modelar, no shampoo, na vacina, etc.
Fui lendo mais a respeito e descobrindo como tantas famílias vivem com alergias alimentares sem acesso à informação ou produtos adequados, muitas vezes mais caros por serem importados. O tema passou a ser tão latente que fiz dois projetos para diferentes cursos de pós-graduação, incluindo o meu trabalho de conclusão de curso do MBA. Eu, que nunca tinha ouvido falar de alergia alimentar, agora já buscava oportunidades de atuar para compartilhar informação e gerar mais inclusão, sempre com a Bianca dividindo as experiências e descobertas que ela ia fazendo.
Habilidade da empatia
Mesmo morando longe, nossos filhos foram crescendo e a gente sempre compartilhava as alegrias e angústias da maternidade. Para mim, um dos maiores desafios é desenvolver a habilidade da empatia. Gosto bastante da definição do autor e psicólogo Daniel Goleman que diz que a empatia é “perceber o que as outras pessoas sentem sem que elas o digam”. É ter uma escuta ativa para entender a linguagem não verbal que pode ser através de um tom de voz diferente, uma expressão facial ou uma atitude de isolamento. E é também se colocar no lugar do outro para ser capaz de compartilhar o sentimento ou situação que aquela pessoa está vivendo.
Mas como exercitar a empatia das crianças? Acredito que só conseguimos exercitar essa capacidade através de exemplos reais e o convívio com pessoas que tenham ideias, valores e desafios diferentes. E o Lucas, a Bianca, o Mateus e o Felipe contribuem muito para esse exercício.
Lembro da primeira vez que o Gabriel, meu filho mais velho que tem praticamente a mesma idade do Lucas, perguntou “o que o Lucas vai comer em casa?” Eu respondi “comida, ué?” Hoje nós lemos os rótulos dos sorvetes, pensamos em lembrancinhas de aniversário que não sejam comestíveis e não oferecemos nenhuma bolacha para uma criança pequena sem antes perguntar para os familiares se ela pode comer. Através do convívio com o Lucas que vive intensamente seus 10 anos e de toda a família que orbita ao seu redor, conhecemos um pouco dos desafios que as pessoas com alergias alimentares enfrentam e temos um olhar mais sensível e acolhedor ao que é diferente.
E nada mais divertido do que juntar as crianças para montar uma pizza sem glúten em casa, com um bom picolé de limão de sobremesa.
Que possamos ter cada vez mais momentos assim.