Crianças que leem rótulos

Nos últimos dias, a proximidade do início do ano letivo e a possibilidade de voltarem pros bancos escolares físicos e não virtuais vem despertando conversas aqui em casa. Pedro aos 13 e Joaquim aos 11 anos, sabem como se virar muito bem em qualquer lugar em relação as alergias alimentares com as quais convivem desde que nasceram. E a minha maior preocupação, compartilhada em conversas com os irmãos mais velhos, recai sobre Maria. Aos seis anos ela está indo para o primeiro ano do ensino fundamental em 2021.

Ainda não sabe ler muitas palavras, ainda não sabe ler rótulos. E isso para um alérgico alimentar é uma questão fundamental. A psicóloga Erika Gomes, há poucos dias aqui falou sobre volta às aulas, o que nos suscitou mais conversas sobre o tema. Desde então temos falado à mesa, durante as refeições, aproveitando para trabalhar o tema com Maria.

Quando os meninos começaram a ler não tinha pandemia e eles iam aos supermercados e lojinhas onde encontrávamos muitos produtos que podiam comer. Ler os rótulos foi um incentivo para que aprendessem a ler mais rápido. Eles queriam achar mais e mais alimentos permitidos e se divertiam nos corredores e prateleiras de alimentos rotulados. Com a pequena espero que este também seja um bom treinamento, que a situação sanitária nos permita esta atividade.

Os meninos sabem que o Põe no Rótulo é um movimento de mães de alérgicos que conseguiram mudar a lei de rotulagem no Brasil. Acham essas mães muito corajosas! Tem gratidão pelo o que elas fizeram. Maria nasceu num momento mais tranquilo pra nós, quando já tínhamos aprendido bastante coisa sobre alergia alimentar e sobre rótulos.

Ela nos vê trabalhar pela conscientização sobre alergia alimentar e lembra muito bem do último episódio que desencadeou vômitos em série, queda de pressão arterial e desmaio, quando tinha 4 anos. Mas a gente sempre fica com a impressão que ela sabe menos que os irmãos na idade dela, que ela não vivenciou as nossas descobertas sobre a importância dos rótulos. Eles já descobriram que um alimento não era seguro pra eles lendo rótulos.

Temos conversado, os irmãos têm feito alertas sobre como se defender de desaforos, tapas, brigas e comidas. A cada momento eles contam histórias e dão exemplos. “Mesmo se papai e mamãe lerem a gente tem que ler também, tá Maria?”. Ela escuta atenta, faz cara de quem acha tudo óbvio, mas estamos certos de que ela precisa tirar muitas dúvidas sobre as questões práticas.

Eu vou norteando as conversas. Mas percebo que ela anda agitada, nervosa. As vezes se revolta contra a pandemia que a afastou da escola e a fez usar as benditas máscaras. As vezes diz que não quer voltar a sala de aula enquanto o recreio não puder ser no parquinho, com direito a quadra de esportes e na entrada, com a mamãe na porta da sala até o início da aula. Além das ansiedades da pandemia, que todos as crianças no mundo inteiro estão enfrentando para irem à escola, aqui existe o estresse do início do ensino fundamental, a descoberta das letras e da leitura de rótulos!

Flávia Ribeiro Nunes Pizelli, jornalista, produtora de conteúdo, mãe de alérgicos! E-mail: ribeironunesflavia@gmail.com

 

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