Maio e um adolescente alérgico sem traumas

Estamos em maio de 2023 e mais da metade do mês já correu. Esse mês é importante para nós! Tenho visto postagens e mais postagens sobre o mês das mães, da família e da Conscientização Sobre Alergia Alimentar e tenho levado Pedro ao dentista! Mas o que isso tem a ver?

Bom, tenho tido mais tempo com ele sozinho em idas e vindas onde conversamos sobre escola, meninas, academia, prédios históricos, segunda guerra mundial e adivinhem? ALERGIA ALIMENTAR! Aqui em casa nós fazemos momentos “filho único” com um dos três com certa rotina. Pedro, como mais velho, foi filho único, mas isso só durou dois anos e nossas conversas não eram tão profundas! Afinal ele era só um menininho fofo e risonho que ocupava minha vida.

Agora ele é um adolescente bom, um filho amoroso, aluno de notas boas, e que gosta de conversar, mas é menos expansivo que Joaquim e Maria, então às vezes ele fala menos nas nossas rodas de conversa enquanto compartilhamos almoços, jantares e cafés da manhã.

O momento filho único serve para focar exclusivamente em um e esse um ter tempo de falar o que pensa e fazer o que deseja conosco. E num desses momentos, proporcionado pelas idas ao dentista, conversamos sobre a Semana de Conscientização e consequentemente sobre alergia alimentar.

Como os psicólogos sempre nos disseram ao longo dos anos, constatei mais uma vez: ele lembra menos que nós dos perrengues que passou. Das anafilaxias tem uma vaga lembrança. “Acho que lembro porque você conta”, revela.

Entre as nossas conversas ele me diz que não sente falta de nenhuma comida. Eu argumento que agora temos bolo fofo, alguns restaurantes, alguns industrializados, tanta coisa que durante muito tempo não tivemos… Ele quase me interrompe pra dizer que gostava dos bolinhos sola de sapato que a gente fazia pra eles quando a restrição de ingredientes era enorme e era impossível fazer um bolo fofo.

–  Você fica falando do nosso bolinho, mas a gente gostava deles – , diz sendo gentil com uma verdadeira solinha de sapato, duro, muito duro.

Inclusão, sempre

Ele já sofreu bullying, já deixou de ser chamado para festinhas de colegas porque era alérgico e a mãe dona da comemoração não queria se dar ao trabalho de providenciar algo do cardápio que fosse adequado para ele, já bebeu apenas muita água em festas. Às vezes desconfiava da água servida e só brincava, mas quando teve oportunidade de vivenciar festas onde podia tudo ou alguma parte do cardápio, se sentia privilegiado, valorizado! Essas memórias reforçam em mim a crença de que promover a inclusão é de suma importância.

Cresceu achando que tem vantagem sobre muitos outros colegas. Atualmente acredita que do ponto de vista nutricional está na frente de outros adolescentes da idade dele. “Minha comida é boa, eu sei comer comida de verdade e não como nada de “gororoba” se comparado aos caras que só comem industrializados. Isso já faz diferença na minha saúde e vai fazer muito mais quando eu for velho”, revela, reproduzindo parte das nossas falas, desde sempre, sobre os benefícios de uma boa alimentação.

Apesar de saber lidar com os desafios que nem considera mais tão grandes, ele diz que se tivesse que ficar preocupado seria com a divulgação de socorro em caso de anafilaxia. “As pessoas saberem o que fazer se eu ou outro alérgico passar muito mal é importante. Porque tem coisa que se demorar não tem jeito, né?”.

Exatamente isso. Em caso de anafilaxia é preciso saber o que fazer e fazer bem rápido por que pode ser que não dê tempo de reverter. Tenho falado sobre isso também com os professores dos três. Aliás, tenho falado com a coordenação e a enfermagem da escola, mas talvez esse seja um ponto importante para falar também com alunos, tão importante quanto INCLUSÃO ALIMENTAR.

Hoje, com dois adolescentes e uma menina de oito anos eu acho que além de conscientizar sobre alergia precisamos conversar sobre inclusão alimentar, isso pra mim inclui o respeito às necessidades ou escolhas alimentares do outro. Inclui a gente talvez abrir mão de algo específico, por exemplo, porque tem avô ou avó com restrições e que não foi educado para resistir às ofertas dos alimentos proibidos.

Quem nunca ouviu frases do tipo: “Aquele idoso é muito teimoso, só quer comer o que não pode. Comeu muito isso ou aquilo no almoço de domingo”. Mas gente então ele comeu porque tinha. Faz parte do nosso exercício nesse momento com os avós abrirmos mão do que ele não pode. Ou o amor por aquele familiar é menor que nossa vontade de comer um determinado alimento?

O Amor

Na verdade, eu chego a conclusão de que amor e empatia são a grande saída para tudo. Amor filial ou maternal, amor parental, amor conjugal, amor universal ou também podemos chamar de empatia, que para mim é quando simbolicamente resolvemos caminhar com o sapato do outro e então percebemos os desafios que este outro enfrenta.

Então neste maio de 2023 eu comemoro a saúde dos meus três filhos alérgicos alimentares, comemoro a Nona Semana de Conscientização Sobre Alergia Alimentar de Campos dos Goytacazes com a liderança de duas jovens mães que abraçaram o trabalho que eu e um monte de gente começou em 2015 e em seguida recebemos a ajuda permanente de Kamilla Coutinho.

Eu não moro mais lá, mas contribuo como posso com as ações que elas propõem. Uma delas foi a criação da conta no Instagram: @cafofodaalergia. Sigam o Cafofo! A Josi Gama e a Alinne Nunes a minha admiração e agradecimento por terem assumido algo que ajudei a começar e que acredito ser tão relevante para tantos.

A Kamilla toda a minha gratidão por me ter feito companhia nessa missão mesmo durante o resguardo dos gêmeos que teve após Antônio, o filho alérgico que a fez se aproximar de mim.

Aos pais e mães de crianças alérgicas e pequenas, se eu pudesse dar um conselho hoje eu diria para se manterem corajosos e confiantes no trabalho de conscientização e de fazerem de seus filhos pessoas saudáveis física e psicologicamente. Diria para acreditarem na dieta de exclusão dos alimentos proibidos e para confiarem que eles muito provavelmente nem lembrarão dos desafios, mas que serão felizes se cumprirmos nosso papel de pais.

Diria o que eu sempre digo: A alergia pode até não passar, mas o furacão da descoberta, do diagnóstico e as sucessivas reações passam e a gente aprende a viver feliz, a despeito de qualquer restrição.

Flávia Ribeiro Nunes Pizelli, jornalista,
produtora de conteúdo e mãe de alérgicos!
E-mail: ribeironunesflavia@gmail.com

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