Flavia Ribeiro
Um questionamento tem sido mais frequente entre os pais de alérgicos: e se eles chegarem à adolescência com alergia alimentar? E cada vez mais eles vêm chegando com restrições alimentares. Aqui em casa, dos três, dois estão oficialmente na chamada idade das descobertas. E como eles, tenho visto muitos outros alérgicos grandes, independentes e empoderados. A pandemia tem ajudado os pais a segurarem a ansiedade porque os filhos estão mais protegidos em casa, as festas ainda não voltaram, assim como muitas outras atividades que fariam sem a supervisão materna ou paterna.
Filhos que cresceram comendo apenas as comidas que seus pais faziam ou compravam de forma muito cuidadosa, estão descobrindo como comer de forma segura em restaurantes, casa de amigos e colegas. Pais que se acostumaram a segurança do cuidado estão vendo seus filhos iniciarem voo solo. Mas este voo precisa ser seguro e planejado. Ao longo dos últimos 14 anos eu aprendi com a maternidade e com meu marido que tudo é uma questão de planejamento. Estamos eu, ele e os meninos empenhados em descobrir alternativas seguras para os dois, para que saibam o que comer na rua sem a nossa eventual presença. Não estamos dispostos a liberar os meninos na rua de forma aleatória, mas entendemos que faz parte do crescimento deles começarem a sair sem nós dois.
Beijo na boca
Uma questão que preocupa muito os pais e alguns adolescentes é o beijo na boca! Fico preocupada também! Ele pode ser um fator de risco para reações alérgicas, inclusive as graves, que incluem risco de morte. Mas como amadurecer afetivamente e socialmente sem beijo na boca, sem interações sociais tão próprias deste período da vida? Aí está um desafio de quem se preparou para a possibilidade de viver com alergia alimentar, não importando se criança, adolescente ou adulto.
Aqui em casa, desde sempre nós falamos sobre a possibilidade de a alergia não passar até a adolescência e conversamos sobre como se comportar. A psicóloga Erika Campos Gomes @erikagomes.psicologia, que pesquisa os impactos sociais da alergia alimentar, revela que durante a infância o impacto maior da alergia fica com os pais, quando eles chegam à adolescência, passa a ser dos filhos, porque eles assumem a responsabilidade de se manterem seguros e saudáveis.
Mas segundo ela, é nesta fase da vida que o trabalho de conscientização que os pais tenham feito vai surtir ainda mais efeitos. “Estar num grupo que saiba sobre a alergia e sobre como agir em caso de emergência vai tornar a vida dos adolescentes mais segura. Ter amigos conhecidos dos pais é uma forma de proteção. Os pais sempre devem trazer os amigos dos filhos pra perto, no caso dos alérgicos então, isso é ainda mais importante. Os pais precisam confiar no que ensinaram aos filhos”, revela.
Conscientizar o grupo
Incentivar a construção dos relacionamentos é outra maneira de tornar a vida do filho alérgico grande segura. “É importante que os amigos saibam e divulguem pro grupo as condições alérgicas do adolescente. Em geral eles se relacionam com amigos, os irmãos e os amigos destes mesmos amigos. Não foge muito disso e estar num grupo conhecido é sempre mais seguro. Para alguns, falar sobre o tema será constrangedor, mas isso tem que ser trabalhado para que falem sem se sentirem diminuídos. A maioria deles vai ter que iniciar um namoro à moda antiga pra quando chegar ao beijo o outro já saber que precisa de cuidados para não contaminar o parceiro”, explica Erika.
Para Joaquim Nunes Pizelli, meu segundo filho, recém-chegado à adolescência, a Erika está coberta de razão. Ele diz que aprendeu com a gente a conscientizar o grupo em que está inserido e que todos os amigos sabem que ele é alérgico. “Eu ainda não conversei com eles sobre como me socorrer em caso de uma reação, mas é que a gente ainda não faz nada sozinho. Mais pra frente eu vou conversar, mas também não pretendo fazer nenhuma loucura. Eu não sou doido de me arriscar”, explica o menino de 12 anos que está crescendo aprendendo a cozinhar. Ele compartilha com os irmãos Pedro, 14 anos, e Maria, 06, o canal Pedroaco Diversões (@pedroacodiversoes3), no Youtube e uma conta de mesmo nome no Instagram. Eles ensinam a fazer suas receitas inclusivas.
Felicidade e conscientização
Para a modelo Vitória Jesus, @iamleticiavitoria, 17 anos, a vida agora está tendo outros sabores e cores. Desde que descobriu que tinha alergia a mais alimentos do que pensava, há menos de um ano, ela vem se adaptando à nova dieta e resolveu usar suas redes sociais para promover a conscientização. Ela já passou mal porque beijou um namorado que tinha comido o que ela não podia. “O menino tinha comido bombom. Eu comecei a sentir um incômodo na garganta. Fui parar no hospital, mas o médico achou que eu estava com amigdalite e me deu uma injeção de penicilina. Só em casa minha mãe identificou o que tinha acontecido e me deu o remédio certo. Depois disso eu tive mais cuidado. Aprendi a me proteger”, revela a jovem que está acumulando milhares de visualizações em seus posts divertidos e cheios de informação.
Mãe de Vitória, Cristina, 56 anos, tem outro filho, de 21 anos, também alérgico. Ela ainda tem como rotina fazer toda a comida que os filhos consomem. Eles saem com as mochilas repletas de comida. Isso foi tema de um vídeo de Vitória e atraiu muitas curtidas. “Eu morro de preocupação com eles”, explica. Mas ela está feliz da vida em ver a filha assumir a bandeira da conscientização sobre alergia alimentar.
Segurança e autonomia
Assim como Vitória, Davi Saar de Castro Cruz, 14 anos, tem usado as redes sociais para se manifestar em favor da conscientização. Durante a pandemia ele criou no Instagram o perfil @diariodeumadolescenteaplv e tem colecionado seguidores. Ele revela que ainda não está preocupado com namoro, mas diz que a mãe sempre conversa com ele sobre o tema. “Vai ter o tempo de acontecer”, explica. Mas ele tem uma preocupação: “Eu já sofri bullying por levar lanche sem leite e sem glúten pra escola. Agora com a conta do Instagram tenho receio. Não é comum um adolescente, menino, ter uma conta de receitinhas. Eu noto pelo número de mulheres que me segue. Mas fui muito acolhido pelos seguidores e isso me ajudou muito. Hoje eu tento transformar o que via como problema em oportunidade de me ajudar e ajudar aos outros”, revela.
Irmão de Joaquim e meu primogênito, Pedro, 14 anos, diz que também se sente preparado, mas admite que a pandemia está ajudando a não se expor. “Quando terminar a pandemia vou ter que pegar firme. Conseguir comida na rua vai ser uma aposta. Meus pais têm me apresentado umas alternativas seguras em restaurantes e lanchonetes, mas só vou testar quando estiver sozinho. Eu vou ter que enfrentar. Não tenho medo e se não der certo eu levo minha marmita, como sempre levei”, explica.
Flávia Ribeiro Nunes Pizelli, jornalista,
produtora de conteúdo e mãe de alérgicos!
E-mail: ribeironunesflavia@gmail.com