Uma escola pra chamar de sua: insista na inclusão

Flávia e as professoras Anna Thereza Azevedo e Raiani Sendra, na caminhada de conscientização sobre alergia alimentar em Campos (RJ)

As reflexões da nossa última conversa me deixaram com muitas lembranças e achei que precisava contar a vocês com mais detalhes os altos e baixos da nossa relação com as instituições de ensino. A primeira escola que Pedro, meu filho mais velho, frequentou não via que era preciso promover a inclusão e deixava que as outras crianças fizessem muitos comentários porque ele comia lanches diferentes dos demais. Uma vez ele levou creme de milho e um coleguinha disse que parecia coco! Nenhum profissional de educação explicou que a comida de ninguém era coco. Com uns três anos de idade ele veio pra casa muito chateado.

A tia da cozinha fazia o almoço ou o jantar dele com o maior amor, mas a inclusão parava ali. Nas festas nada tinha que pudéssemos comer. Até que um dia, aos 5 anos, ele me disse saindo de uma festa onde negamos várias ofertas de salgadinhos convencionais e refrigerantes: “Mãe, a gente aqui nessa festa só tem direito a água do bebedouro”.

Eu falei muito, tive muitas e muitas conversas com a escola e não teve jeito. Então mudamos. Fizemos algumas visitas aos colégios dos mais variados e onde a conversa e as questões gerais mais nos convenceram, apostamos.

Buscai e encontrareis

Chegamos ao Externato João XXIII com o meu mais velho, encantado pela professora Arlete Parrilha Sendra, que nos recebeu ao final da primeira visita à escola. Ela nos disse que o bisneto com idade próxima aos meus meninos era alérgico a alguns poucos alimentos, que fazia ideia do que era a alergia alimentar, mas que não conhecia outras crianças na condição deles. Então nos falou que a escola estava disposta a receber e a acolher.

Tivemos seis primeiros meses de muito trabalho de conscientização, muitas conversas amigáveis e uma muito dura com as coordenadoras que no semestre seguinte promoveram a inclusão através de alguns produtos oferecidos na cantina! Sucos naturais, frutas in natura e algumas guloseimas possíveis nos indicaram que não tínhamos errado novamente.

Não satisfeitas, fizeram mesas inclusivas nas festas da escola. Valorizaram como podiam e descobriram que muitos outros alunos tinham Necessidades Alimentares Especiais (NAEs). Tantos, que criaram um grupo de mensagens com todos os pais e professores de turmas onde pelo menos um aluno fosse alérgico para garantir um canal direto de comunicação, conscientização e troca de receitas. E mais surpreendente ainda, me perguntaram se eu poderia ajudar a administrar as demandas do grupo! Claro que aceitei!

Colaram nas portas das turmas dos alérgicos alertas para os outros pais, informando que ali era preciso combinar com a professora caso fosse levar para a escola um alimento que não fizesse parte da rotina. Foram tantas portas, principalmente na educação infantil, que ao levar a caçula à sala no primeiro dia de aula meu filho do meio, aos seis anos, acreditou que as tias tivessem colocado o alerta em todas as portas.

Encamparam a Semana de Conscientização Sobre Alergia Alimentar, que eu e um grupo de pais e avós de alérgicos de Campos promovíamos. Nos deram o abraço mais acolhedor que sentimos, colocaram 700 alunos da educação infantil e do ensino fundamental na rua, por dois anos consecutivos, numa caminhada por conscientização que me deixou impactada, sem fala e com uma gratidão eterna.

Juntaram as comemorações pelo Dia das Mães com a Semana de Conscientização e numa exposição de telas dos artistas mirins e juvenis da escola, num shopping da cidade, promoveram uma Oficina de Culinária Inclusiva na praça de alimentação.

Eu fui convidada para acompanhar uma chef de cozinha e o professor que também era chef. Me senti homenageada como mãe e a conscientização ganhou ainda mais visibilidade. Não vou esquecer o sucesso que o cardápio fez. Os pais e os alunos fizeram fila para provar o que saía das nossas mãos e muitos se admiravam quando gostavam.

Aquela equipe liderada pelos professores Raiani Sendra, Anna Thereza Azevedo, Fábio Guilherme, Eleonora Vasconcelos e Arlete Sendra com a concordância da diretora Gisa Sendra terá a minha eterna gratidão. Ali minhas crianças exercitaram muito a autoconfiança e receberam belas lições de empatia e inclusão.

Caminhada por conscientização

Mudança de cidade

Fizeram tanto, tanto que quando nos mudamos de Campos pro Rio tivemos muito medo de que as coisas ficassem difíceis em relação à inclusão. Chegamos ao Rio e a surpresa foi enorme. O Colégio Sarah Dawsey nos incluiu de cara. Começamos na escola no meio do ano letivo, mas eles estavam muito acostumados a acolher os nomeados pela maioria como diferentes.

Lá não houve nenhum estranhamento e quando chegou o halloween na escola bilingue me espantei com as mensagens dos outros pais perguntando o que poderiam enviar para que os filhos trocassem doces com os meus sem risco de vida. A escola tinha informado a eles que era preciso saber o que levar pra brincadeira. Nem preciso dizer que as crianças amaram a experiência.

No ano seguinte tivemos a oportunidade de mudar para Niterói em março e tivemos que deixar a escola nova de lado. A busca por uma nova instituição de ensino às vésperas do início das aulas, foi frustrante. Visitamos muitas escolas. Tínhamos perdido o processo de acesso de algumas, então fomos às que estavam disponíveis.

Em uma delas, depois de quase uma hora de conversa com um diretor que mais parecia uma caricatura de general de uma ditadura, ouvimos a negativa para Maria. Ele não podia receber a pequena porque o lanche na educação infantil era dentro da sala e a sala não tinha janelas! A pequena aqui teve crises Fpies (que é assunto pra outra conversa) e reagia de forma muito severa em alguns momentos.

Saí pensando: Eu não ia mesmo deixar as crianças neste quartel! Mas a negativa doeu. Então fomos a outra, que de cara não era o que eu queria, mas o diretor era mais educado e falante. Prometeu inclusão, disse que tinha vários casos de alergia na família. Saímos desconfiados, mas matriculamos os três.

A desconfiança tinha motivo! O diretor não estava disposto a incluir. Vivemos alguns momentos de perigo até. Não sem que eu protestasse. Mas graças a Deus o ano letivo terminou e nós já estávamos participando do processo de acesso ao Colégio La Salle Abel.

Assim que preenchi o formulário de matrícula vi que as perguntas sobre alergia não eram protocolares como em outras escolas. Uma ficha médica grande me deu mais segurança e em seguida recebi uma ligação da coordenadora da educação infantil marcando uma reunião com a nutricionista Nathália Portugal! Saí com o coração em paz. A moça sabia o que estava falando e me deu muita segurança. As aulas começaram e Maria chegou a lanchar sem problemas a comida da escola.

Lugar para todos

Em seguida a pandemia veio, mas os sinais de inclusão permaneceram. Fui convidada para participar da Escola de Pais, falando sobre minha experiência de criar três alérgicos, junto com a nutricionista que estava com a parte técnica da história.

Todas estas reflexões só reforçaram a minha certeza de que existe lugar para todos no mundo e que a gente tem que insistir na busca pela escola certa para nós. Procure até achar uma que seja boa para instruir e para acolher. Pode acreditar que ela existe.

Acredite também na conscientização. Quanto mais pessoas souberem sobre alergia alimentar e seus impactos, com destaque para os psicológicos, mais fácil será para todos. Conte para nós sobre sua experiência com as escolas! Deixe sua mensagem e aproveite para compartilhar esse texto, para que mais pessoas saibam que existem várias maneiras de promover a inclusão de alérgicos alimentares!

Flávia Ribeiro Nunes Pizelli, jornalista,
produtora de conteúdo e mãe de alérgicos!
E-mail: ribeironunesflavia@gmail.com

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